sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

REFLEXÃO

A vontade de, novamente, escrever surgiu do nada, qual branca de memória quando pensamos em algo que nos remoí o espirito. Julgo que as vontades espontâneas e inexplicáveis de fazer algo acontecem a qualquer um, como momentos de prospecção sobre o que somos ou de interrogações sobre o que fizemos, independentemente dos resultados finais serem conclusões ou outras perguntas.

Tenho cinquenta e quatro anos, feitos há dias. Em todo este tempo, num infindável mundo de circunstâncias cruzei-me com muitas pessoas que me amaram, que me educaram e que me ensinaram, enfim que, de uma forma ou de outra, me ajudaram a construir o que sou e, paralelamente, a descobrir o mundo que me rodeia. Nesta última situação, as ajudas serviram-me para ir calcetando o caminho que percorri até ao momento, dando fundamento às minhas convicções, às minhas congruências e, também, porque não, às incongruências, umas e outras vividas nos dias e nas procuras dos rumos.

Posso afirmar, na segurança da certeza, de que, como muitos outros da minha geração, descobri e acreditei em ideologias, numa oscilação de ortodoxias e radicalismos, mais fruto da imaturidade e da inconstância da idade do que de qualquer certeza de consciência de classe, e que, com o passar dos anos, em consolidação do bom senso e do conhecimento adquirido, as vontades de destruir o “velho” para o substituir por um “novo”,despreocupadamente desconhecido mas cheio de “fé revolucionária”, foi sendo, gradualmente, preterido por leituras e absolutos filosóficos de valores éticos e morais, acompanhados por uma cultura materialista que me fez equacionar e descobrir respostas para a dicotómica e conflituosa vontade de ter e de poder ter.

Revejo-me, hoje, na presunção quotidiana destes conceitos porque assumi uma vida de responsabilidade de compromissos e porque aceitei ser pai; E, juntando esta base à constatação da realidade dos tempos, o meu Belo e a minha Harmonia reduziram-se a insignificâncias, redutoras de ideias e projectos. Ao tempo dos desejos de participar no escrever a história, com os feitos da mudança, na procura insistente da grande utopia da Felicidade, mesmo que isso significasse sacrifício e sofrimento pessoal, sobrepuseram-se outros valores de apaziguamento e de sensatez, mais burguesa, mais conservadora.

A felicidade obtida na vida, que me foi transmitida na minha infância, era justificava, então, na possibilidade de ausência dos valores materiais e da sua metálica representação judaico-cristã, o dinheiro. Dele, dizia-se que não trazia felicidade nem ajuda para a conseguir. Acreditei nesse princípio e fiz dele verdade, aceitando o que em casa entrava, pela mão do senhor meu pai e aprendendo que tê-lo para lá do necessário e suficiente seria viver na possibilidade do mais fácil e não do saber da escolha do melhor.

De facto, os distintos contactos sociais e a experiência de vida têm-me permitido conhecer muitas bolsas recheadas, umas mais aparentes, outras mais sonantes, mas, garantidamente, muitas delas vazias na substância e no discernimento do saber. Tantas, foram as vezes, os acontecimentos e as circunstâncias que me levaram a virar a cara e esconder as minhas caretas de escárnio, procurando não demonstrar a minha frontalidade e transformando-a no trejeito de condescendência.
Reconheço, por outro lado, que, em algumas situações vividas em afogo do desejo imediato invejei as oportunidades, idealizando aquilo que eu poderia ter feito e criado.

Tudo Fantasias e ilusões. Antes, aceitar a companhia agradável de um bom e reconfortante copo de vinho tinto do Dão e de umas fatias de queijo de São Jorge, de sete meses de cura do que um Champanhe francês e um caviar russo, fartos no preço e parcos na graça de se saborear a ausência da superficialidade mediática de socialidades de modas e etiquetas. Elevo o copo e agradeço a todos aqueles que me ajudaram a ser o que sou, uma simples, irreverente e conflituosa personagem de dúvidas e de interrogações permanentes. Brindo a todos aqueles que me fizeram acreditar que a procura do silêncio não é um despropósito, mas sim e somente um lugar possível para nos compreendermos. E, continuo a beber e a saudar os que lutaram e não se renderam na procura constante da vitória da transcendência. Todos eles, na dicotomia das suas formas, contribuíram para me orientarem nas percepções mais espirituais da vida, estas mais brandas e simpáticas, e na constatação de que existe um mundo real duro, difícil e inconstante.

É com esta reflexão, breve, incompleta e desajeitada, escrita num momento de desejo e sem razão nem calendário determinado, que agradeço, a todos aqueles que passaram por mim, mesmo que tenham, apenas, roçado a minha sombra, a ajuda e o contributo na determinação do meu percurso.

Eugénio Montoito
Baleia, a 22 de Janeiro de 2012, no dia em que fiz cinquenta e quatro anos.

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