domingo, 2 de janeiro de 2011

Hoje andei a recuperar textos que escrevi, uns num ontem mais longínquo, outros num ontem mais recente. Três escritos poéticos, sem preocupações de estilo ou regra, apenas revisitações de sentimentos e de palavras:

Quem sou ?

Como se pode descobrir sem se conhecer,
quanta diferença pode ter
o significado de vir correndo pelo tempo,
esperando passivo a revolta de não conseguir
ser diferente ao pretendido por ser.

Como posso descobrir o que de mim há-de vir,
se só consigo escrever quando em fuga me meto,
por caminhos de fumo ou de vinho bebido.
Não será aquilo que escrevo outra cousa que não sinto,
outra estrada de tempo ?
Porque, enquanto me oiço,
falando em silêncio,
a mim próprio mostro aquilo que gostava de sentir,
como sendo outro,
em vez do que pareço.

Mas…
se não sou eu, se sou outro,
como posso saber qual dos dois em verdade me sinto ?

*****

Quando descobri Pessoa,

Quando descobri Pessoa,
pegava num livro ao acaso.
Passava pelo tempo, folheando páginas sem ler,
descobria palavras que não sentia,
vivia desconhecendo que sabia sem saber,
que todo o sentimento pode ser,
apenas, vida.

Quando descobri Pessoa,
- Um dia... –
percebi que podia ver,
quanto uma criança pode ser poesia
ou um sentimento ser sentido.

Quando descobri Pessoa,
encontrei razão ao meu medo.
Ignorei-lhe a rima, e à pontuação não lhe liguei,
porque não era isso que me fazia saber
quanto eu sofria, quanto de cego estava perdendo.

Por isso.
- Obrigado Pessoa ! -.
Porque se a terra nos separa,
sentir nos une.

E, apenas, lamento,
a pena que eu tenho de não te conhecer em vida, d
e não te saber em jeito.
Porque, decerto, contigo abraçaria as palavras corridas,
de tudo o que se sente pela vida,
para que se grite de alma sentida no tempo.

Por isso.
Escrevi-te no meu diário,
copiei-te no meu quotidiano.
- Que importa que digam –
Usei-te, escrevendo palavras ditas em textos meus.
Porque, decerto que acreditarias
quanto de ti, poeta incompreendido,
em mim me vejo escrito.

Adorei conhecer,
que tu, Poeta,
em vida eras um ser
em escrita mais que um mundo,
mas sempre Fernando Pessoa.
Um homem com saber,
em que "crer é morrer",
mas amar é ter sentido.
E, por muita ilusão que pareça,
ensinaste-me: que é pensamento que se deseja.

Portanto,
não me digam, que em ti
- Fernando -
somente soa solidão e amargura escrita,
porque senão, pergunto:
desde quando, querer
“… considerar-me e ver aquilo que sou... “
não é poesia de humana pessoa ?

*****

[Justificações que a Razão desconhece]

Tudo é diferente quando me procuro,
por palavras que escrevo
em papel liso com tinta corrente.
Tudo é diferente quando por mim penso,
quando por mim sinto.
Tudo é diferente quando por minha mão,
posso dizer tudo, posso dar grito.

E se por entre momento,
em estradas distintas caminhando,
hajam pensamentos corridos,
– apenas porque quero ser diferente –,
antes andar fugido,
por entre mágoas e sentimentos
do que esconder o que penso, não escrevendo o que sinto.

Que vergonha pode haver
no chorar as palavras que oiço, se são verdade em desejo ?

Porque me obrigo a continuar naquilo que não quero ser ?
Porque continuo a não acreditar naquilo que sinto ?
Porque não me hei-de compreender no que sou ?
Se são imagens que persigo,
se são vozes que reconheço
em razões que rimam nos passos que dou,
com os sentimentos que comigo habitam.

Porque não hei-de ver
que o gosto de estar nesta forma distante,
é sentir que não se compreende,
é alma fria iludida;
é tudo interrogação diferente.

Um Natural Engano

Folheando o caderno onde guardo os textos que escrevi, encontrei o artigo que publiquei no «Jornal de Sintra», Escuta, Zé Ninguém !, e relembrei as leituras que fiz desse perturbador livro de Wilhelm Reich e da sua amargurante e pessimista actualidade. As palavras de então, encaixam sem uma folga nos momentos de agora, pelo que volto a citar, como se de exorcismo se tratasse, “o grande homem é, pois, aquele que reconhece quando e em que é pequeno. O homem pequeno é aquele que não reconhece a sua pequenez e teme reconhecê-la; que procura mascarar a sua tacanhez e estreiteza de vistas com ilusões de força e grandeza alheias.”
O Dejá vu da situação fez-me recordar os primeiros quatro anos da década de noventa e o que, então, escrevi:

Um Natural Engano

Em toda a natureza,
como sinal de vidas,
por entre céus, mares e terras luminosas,
de tonalidades e expressões devidas,
através de efeitos onomatopaicos de linguagens misteriosas,
com o seu quê de interpretação desconhecida,
encontramos no dia a dia
uma fala que nos é dirigida:
- a abelha que zumbe,
- o bode que bodeja,
- o boi que arrua,
- o burro que orneja,
- o camelo que blatera,
- a cobra que sibila,
- o corvo que crocita,
- o crocodilo que chora,
- a doninha que chia,
- o elefante que brame,
- o ganso que grita,
- a gralha que grasna,
- a hiena que uiva,
- o leitão que cuincha,
- o macaco que guincha,
- a mosca que zoa,
- o papagaio que palra,
- a pega que tagarela,
- o porco que grunhe,
- a rã que coaxa,
- a serpente que assobia,
- o urso que ronca,
- a vaca que muge.

....

Mas... oh, deuses !!
por natural engano
encontrámos, depois disto tudo,
em vulgares discursos diurnos,
um incómodo elemento
por entre toda esta vastíssima gama cantante
- nomeada em tal pandorga -
emergindo, qual surdo-falante,
simplesmente... um erro !
Era animal diferente,
que cismou ter o poder
de dominar o silêncio inteligente
através de ignorâncias sonoras,
no ser senhor com cognome de voz urrante,
tendo-se como Rei da Selva
de arrogâncias sentidas e perfiladas
e fomes endinheiradas e desmedidas.

Só que também... por natural sentença divina,
traia-se tal semelhante intenção de rugido,
do suposto Rei da Selva.
Pelo que de desconhecido se conhecia,
quando no sussurro de constante deletrear troca,
por vómito incompreensível de tamanha voz dissonante,
se escrevia após o "R"
o acrescento "ui" ditongolante,
e se repetia, agora de forma mais despreocupante,
que o antigo fonema "e" conhecido
se tinha transformado em vogal "i" dominante
sempre que bocal som se ouvia.