domingo, 6 de junho de 2010

Oh!... Que Portugal este!... Que Fado!

Mais um dia passado.
Acredito que tudo isto ainda possa mudar. «A renovação é uma lei da vida». E apesar dos desencantos, facadas e pontapés que temos apanhado – «temos muitas cicatrizes na alma» –, acredito que ainda se possa manter a integridade moral e a cabeça erguida, resistindo de modo a que esta comédia não se transforme em tragédia e que as situações deprimentes destes dois últimos tempos não sejam reflexos de tiques de autoritarismo, de ameaça e de subserviência.
Estou a fazer “limpezas” no portátil e não consegui apagar um “apontamento” (parte de um texto) que escrevi e publiquei na extinta revista sintrense, «Vária Escrita». A sua actualidade e o seu sentir mantêm-se presentes, pelo que, novamente, o registo:
«António Sérgio, nos seus Ensaios, questiona quais as «condições especiais» que existem no nosso país e, naturalmente, o porquê delas existirem, para ter havido um suicídio de um Antero, de um Camilo, de um Soares dos Reis, de um Costa Ferreira, de um Júlio César Machado, de um Mouzinho de Albuquerque, de um Manuel Laranjeira, de um José Fontana, entre outros.
Na sua amargurada interrogação, António Sérgio pergunta-nos, em suas palavras, “(...) porque há tanto vil, co’a breca, entre os "intelectuais" desta terra, e tanto escarninho odiador de toda reverberação do espírito; (...) porque é que tudo que vale sofre o desprezo aqui, ou o ataque, a traição, o abandono, a chufa; porque é que a sarça da retórica, tão invasora e fértil, a do psitacismo expansivo, a da estupidez invencível, sempre reconquistam todo cantinho de agro que porventura uma personagem de excepção cultiva; porque é que tudo que surge de realmente bom, de probo, de saudável, de inteligente e nobre, - se perde, definha, degenera ou morre, neste ambiente inóspito; porque é que no nosso país, mais que em qualquer outro, os "núncios de um futuro longínquo" são sempre “vitimas de um presente cruel” ?” (António Sérgio. Ensaios (Tomo I). 3ª Ed. Lisboa. Sá da Costa, 1980. pp. 92-93.).
Sem saber dar uma resposta precisa nem solúvel sobre o fenómeno plural apontado, somos de opinar e reconhecer que, ainda hoje, é legitima e cheia de actualidade a interrogação sergiana, mesmo havendo o abandono “generalizado” do sentimento suicida vivido na passagem do século XIX para o XX.
As fatalidades e as apatias, as angústias e as duvidas encontradas no passado, perseguem-nos pelo tempo, repetindo-se a gladiatura das incertezas nas crenças de ser ou não ser por um Deus qualquer, com mais ou menos fundamentalismos exacerbados, do abandono da troca de opiniões pelas manifestações cegas do individualismo totalitário, da substituição de princípios e de noções de convívio e de civilidade, pelas imposições dos sentimentos de medo que se passeiam armados de canos serrados em auto-estradas, da obscuridade das decisões impostas pela globalidade de uns poucos sobre a identidade e o querer de muitos outros, da morbidez dos desânimos causados pela falta de realização dos sonhos, ou do azedume quotidiano dos apertos e das filas indetermináveis do trânsito, pela identificação de propósitos e desejos colectivos, da transformação do suspirante abraço de solidariedade, no cinismo do desvio dos pacotes de esparguete ou de arroz agulha, saídos do armazém do “banco da fome”, do sumptuarismo do verbo possuir e do mundo colorido do engano do cartão de crédito, propagandeado no leve agora e pague depois, pela consciência do limite e da sensatez, da falsa felicidade dos momentos prometidos nos argumentos das telenovelas ou da glória de uma fama televisiva, encontrada em comentários falados, em mundos “vip’s”, entrevistas acorrentadas ou em “big brodianos” ópios que anestesiam o nosso pensar.
Em suma, os tédios e os pessimismos do nosso “fado” em nada mudaram, apenas as formas de se manifestarem e os intervenientes, porque, de facto, continuam a ser os tempos da dança dos liberalismos sem rosto ou das derrocadas dos mundos ditos socializantes, ou, simplesmente, das ditaduras subtis pela existência da falta de alternativas. Continuamos a viver na ideia oitocentista do descrédito total do papel da função e do desempenhar político, sustentado pelos permanentes desgovernos e corrupções dos aparelhos governativos e pelos viciadas e vendidas promessas sobre a “terra prometida”, gritadas tantas vezes nos cortes de estradas, fabricadas nas capas dos jornais que melhor vendem ou nas sondagens telefónicas de números mágicos. São as dúvidas e as incertezas constantes no sistema financeiro e nos resultados económicos, de uma bolsa que está sempre em perda, mas que nunca entra em falência, a par do desespero e da impotência de não sermos ninguém nas questões internacionais, de não termos submarinos, porta-aviões ou mísseis intercontinentais. São os desencantos pelo reconhecimento de que o único desenvolvimento declarado é o do obscurantismo, da ignorância e da ausência de soluções que, apenas, alteram os dados de podermos ser mais que os outros, porque se de seis estádios apenas se precisava, fizemos dez no culto do principio da vaidade e da fachada. Em suma, são os tempos em que também se vive na renúncia, com a indiferença, o cansaço e o pessimismo demolidor de quem sabe que para haver a diferença desejada, vamos ter de entrar numa outra lista de espera até “sentirmos o desejo de ser civilizados e, não apenas, contentarmo-nos só em parecê-lo” (Bernard Martocq. Manuel Laranjeira et son temps. Paris. FCG. 1985. p. 662 [Carta remetida a Miguel de Unamuno, provavelmente em Abril de 1911])».

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