domingo, 20 de setembro de 2015


“Diz-me e eu esquecerei,
Ensina-me e eu lembrar-me-ei,
Envolve-me e eu aprenderei”

Provérbio chinês

 

No sábado passado (12 de Setembro), o “Expresso” publicou na sua revista um artigo sobre a Escola “mais elitista do mundo”, o Elton College.
Esta realidade não me impressiona nem me atrai, pois ela representa, para mim, o privilégio exclusivo do dinheiro e o segregacionismo que a sua posse cria.
Segundo o artigo, «o ensino em Elton College [‘pouca coisa mudou no último século’] continua a ser de luxo, sustentado em 2015/16 por uma propina anual de 35.721 libras (€ 48.884) por aluno, um valor-base (…) ao qual se têm de adicionar várias despesas suplementares com uniformes, lições de música ou viagens de estudo».
De igual modo, não me espanta que o “Elton College” (e todas as outras escolas de igual modelo espalhadas por este mundo), a par das suas instalações de aulas, tenha estúdios de artes plásticas, bibliotecas, salas de teatro e de música, laboratórios de línguas e para outras aplicações científicas, salas de actividades complementares, pavilhões desportivos, piscinas e salões multifunções e, no seu exterior, espaços adaptados a várias práticas desportivas, criando esta dimensão edificada, por si, a demonstração dual do privilégio e da diferença para com a realidade comum.
O que, na verdade, me impressiona e acaba por me incomodar é a falta de sensibilidade, a pouca inteligência e a existência de opções que ignoram a procura do bem colectivo, manifestados pelos nossos governantes, ao não seguirem estes exemplos de estratégia de gestão educacional e os adaptarem à nossa realidade e à nossa dimensão económico-social.
Obviamente que compreendo que haja um propósito, por parte das elites e dos seus ‘cabos-de-mão’, de não desenvolver acções que possam proporcionar uma igualitária oportunidade, para que desse modo possa sempre haver uma estratificação social constituída por poderosos, capatazes colaboracionistas, plebeus e, no fim da pirâmide os descartáveis. De igual modo compreendo que a elite mundial procure assegurar o seu mundo de poder, numa espécie de rede de influências identitárias, assente numa filosofia de vida e de ligação entre os seus ‘discípulos’.
Ora, a educação é um perfeito processo para criar essa ligação e essa rede. Por isso, os meios e as oportunidades proporcionadas por esta escola correspondem a opções pedagógicas ideais para desenvolver um sistema de ensino e, consequentemente, de aprendizagem estimulante e construtor de valores, atitudes e competências que permitem aos jovens estudantes adquirir, a par de um conhecimento específico, autonomia, criatividade, desempenho eficaz e destreza de liderança.
Mas, a essência substantiva (passe a redundância) deste modelo pedagógico que proporciona a concretização dos objectivos de criar uma elite dentro das sociedades está para além das particularidades das edificações, das suas especializações e dos hectares que elas possam ocupar. O modelo assenta nos pormenores observados no acompanhamento do aluno e da sua vida académica e social, através de tutorias permanentes, na metodologia de ensino que impõe a existência de turmas de dez ou pouco mais alunos, ministradas por professores de nível profissional elevado, quer, ainda, na aplicação de recursos humanos específicos para a educação, que inclui pessoal profissional envolvido de forma directa no ensino e instrução dos alunos, de professores de acompanhamento nos períodos de estudo, de professores do ensino especial e outros profissionais que trabalham com turmas completas ou com pequenos grupos/ou individualmente em salas de recursos ou no exterior da sala de aula regular, como também, toda uma panóplia de pessoal cujas funções estão incluídas na gestão normal da escola.
A aplicação deste critério metodológico de ensino é que me impressionou, deveras, pois por aqui podemos ver quanto errado estão os decisores que governam a nossa educação. Estão errados quando estabelecem as sustentabilidades económicas do nosso ensino e, sem apresentar qualquer justificação, reduzem brutalmente os apoios, ignorando as expectativas dos alunos, os transtornos familiares e as consequências laborais e de funcionamento das instituições educativas. Estão errados quando estabelecem os critérios metodológicos dizendo que as turmas têm de ter trinta alunos (ou um pouco mais), que os horários dos alunos têm de ser preenchidos com programas enciclopédicos, rígidos, inflexíveis e que aulas no exterior ou visitas de estudo são luxos desnecessários.
Noutras reportagens, temos lido que em pequenas nações, também elas sem ouro, petróleo ou grandes domínios empresariais, com economias alteradas e reestruturadas, nas últimas décadas, conseguiram deixar de ser países dominantemente rurais para passarem a ser reconhecidos como países tecnologicamente avançados, sendo a razão da alteração apontada como resultado do que foi feito nas áreas da educação.
Ter uma dezena de alunos, ou um pouco mais, por professor não é uma metodologia exclusiva do “Elton College”, ela é, isso sim, uma das medidas escolhidas pelos países que mais apostam na educação como processo fundamental do recriar permanente das suas bases humanas e sociais. A Dinamarca, a Irlanda, o Luxemburgo, a Holanda, a Suíça e os Estados Unidos que têm os professores com salários mais elevados, depois de 15 anos de experiência, são exemplo disso, enquanto a Austrália, a Finlândia, a Noruega e, novamente, o Luxemburgo apresentam os rácios mais baixos entre alunos/professores.
Segundo as finalidades educativas para o séc. XXI, defendidas por Jacques Delors no seu relatório “Educação um Tesouro a Descobrir”, entregue à UNESCO em 1996, as ideias de aprender a ser aluno, aprender a conhecer, a fazer e a viver com os outros, são parte integrante e indissociável do percurso educativo que visa contribuir tanto para o sucesso escolar, como também formativo de cada aluno, pelo que o processo de ensino e o ambiente de aprendizagem são, por excelência, os elementos estratégicos de qualquer sistema de educação.
Compete ao professor ajudar a apreender a matéria curricular e, simultaneamente, ensinar os alunos a compreender a complexidade do mundo que os rodeiam. A primeira, através da exposição e debate na sala de aula e na ‘descodificação’ e leitura dos manuais e sebentas e, a segunda, através de processos que remetam os alunos para contacto com conteúdos que proporcionem o entendimento do seu património memorial, das tradições comunitárias, da natureza envolvente, das culturas diferenciadas e do meio social onde eles se inserem, para que, desse modo, eles fiquem dotados de instrumentos que lhes permitam, numa dualidade constante, resolver problemas e situações fundamentais do seu dia-a-dia e aprender a analisar a realidade através de posicionamentos críticos que lhes possibilitem contribuir e fomentar, durante a sua participação na vida social, o respeito dos valores democráticos, das diferenças de pensamento e dos direitos à vida e à sua fruição.

 

Um Povo pode perfeitamente prescindir de uma auto-estrada, de um campo de futebol ou de um submarino porque a inexistência destas ‘particularidades’ não altera a vida desse povo. Mas já não podemos dizer o mesmo se não houver educação (sempre vista como conceito de qualidade e não do que é possível haver). Ela é um direito fundamental de vida do individuo e da sua representação social, porque através dela os povos conseguem garantir o seu desenvolvimento, a sua identidade como grupo e, consequentemente, o apreender, o compreender e o saber aplicar e cumprir os seus direitos e os seus deveres como seres humanos, na perspectiva correcta de sobrevivência e de perpetuação da espécie.
Há ‘gorduras’ no Aparelho do Estado que têm que ser cortadas. Concordo com a contestação do facto, mas discordo, em absoluto, sobre as partes da identificação dessas ‘gorduras’. Os excessos não estão nos números de médicos, polícias, professores, arqueológos, juízes, administrativos, motoristas, assentadores de via, bibliotecários ou arquivistas que o nosso funcionalismo público possui, o excesso está nas mordomias e nos mordomos que existem colados ao aparelho. O Estado e os nossos governantes devem ser capazes de, dentro das áreas das suas competências, dominar os conhecimentos, as metodologias e técnicas de trabalho que levem a aplicação de alternativas equilibradas e justas que assegurem os padrões de excelência e a conveniente sustentabilidade da vida dos seus povos.
Ao nível do ensino, o Estado e o governo português deve conceber, planificar, organizar e conduzir o mesmo, de forma a conceptualizar e gerir as diversas situações de ensino, promovendo uma atitude científica e desenvolvendo estratégias conducentes à promoção das aprendizagens e da qualidade pedagógica do ensino e da escola.
O ‘saber fazer’, o ‘saber pensar’, o ‘saber viver’, o ‘saber partilhar’, o ‘saber dizer’, retirado da “Grelha pedagógica dos actos fundamentais da educação”, elaborada há mais de três décadas pelo sociólogo M. Jacques Grand´Maison, não devem ficar encerrados no tempo de aprendizagem escolar. Estes ‘saberes’ são mais do que princípios de estratégia pedagógica, eles são bases coerentes e dinâmicas de uma política de desenvolvimento social em que o conhecimento da realidade do meio, o compreender a escola como um lugar privilegiado para desenvolver o gosto por uma reflexão séria, autónoma e exigente, e educar a responsabilidade de se viver em comunidade e, incessantemente, renovar as relações dialécticas entre as liberdades individuais e as necessidades colectivas, o cultivar a qualidade das relações sociais e o promover uma mentalidade de aproximação entre as pessoas na aceitação da diferença de cultura, vivência e pensamento, são partes de um todo de uma forma de sentir e agir de um Estado e de um Governo de Bem.

 

SER POLÍTICO NOS DIAS DE HOJE


Somos de ouvir com muita frequência que os cidadãos não se interessam pela política.
Não concordo com esta tese.
Aliás, para ser verdadeira, esta proposição não podia representar, por si, aquilo que na realidade é: uma observação política. Ou seja, a minha discordância sobre a afirmação inconsequente de não haver interesse político fundamenta-se no reconhecimento de que estamos perante uma falsa questão, com o propósito de diminuir ou mesmo anular o sentido crítico e interrogante que existe em todos nós. Todo o ser humano questiona constantemente, critica tudo aquilo que o rodeia e age em conformidade com o seu pulsar opinativo, isto é, o seu ser político, independentemente, de se aperceber, ou não, até que ponto houve influência do meio, das circunstâncias ou dos interlocutores que o rodeiam.
Mesmo a resposta laissez faire, laissez aller, laissez passer, legendada pelo habitual “encolher os ombros”, com que identificamos, tantas vezes, a espera messiânica por algo que queremos que aconteça, efectuado por alguém que nos substitui no agir e, consequentemente, no dever de ter um papel de interveniente activo, não deixa de ser uma afirmação política, mesmo que reconhecida como atitude de passividade preguiçosa.
Obviamente, que somos defensores da ideia que os cidadãos não se devem transformar em seres domesticados ou de adereço, servindo de suportes militantemente acríticos de quem tem o poder de conduzir, quer como resultado de vontade própria, quer legitimamente determinado por recebimento inscrito nas decisões de outrem. Compreendemos e damos força ao pressuposto que se deve, democraticamente, exigir aos cidadãos uma intervenção na vida da comunidade e como participante na construção do bem-comum. Apenas, não inserimos nesta exigência o recorrente sentido hegemónico e exclusivista das interpretações dos pensamentos, mas sim, e sempre, o seu invés, inscrito numa postura edificada na base do espirito aberto, de encontro e de colaboração com o outro, em que o aceitar a existência das diferenças do pensamento, desenhadas no ser e no estar particular de cada individuo, não é, por si, um obstáculo. De igual modo, também não aceitamos cedências às determinações que se imponham como “moeda de troca”, por necessárias conveniências de reconhecimento e de garantia de existência, no mundo das comunidades e das suas situações.
Neste sentido, consideramos que é possível defender e aplicar os valores éticos e inalienáveis do exercício da vida colectiva, mesmo sabendo que esta dimensão plural do grupo não altera (nem deve condicionar), a interrogação do espirito critico e de contestação individual. Não há monopólios das ideias. O Mundo (o nosso Mundo) é constituído por muitos intervenientes e preenchido por todos os contributos como pequenos tijolos que edificam as paredes da nossa experiência e, obviamente da nossa memória.

Enfim. Dia 4 de Outubro vou votar.
Faço-o porque independentemente da identificação e do proveito do resultado, sou um ser político.



Em quem vou votar? Não vos digo. O Voto é secreto, só eu e Deus é que sabemos (acrescento a minha mulher também. Neste caso, é uma partilha natural de confiança e cumplicidade de pensamento, fruto de uma vida em comum).
Mas, será sempre na ideia de corrigir o que está mal para mim e para todos.

sábado, 18 de abril de 2015


A quem me procure e não me encontre.

 
Na intenção de informar a quem me queira procurar e não me encontre no lugar onde estive nestes últimos trinta e cinco anos, há que dizer, como escreveu o cronista da arte de bem comer, do jornal Expresso, José Quitério, por motivos alheios à vontade das outras partes, devidos tão-somente ao querer do estar e do ser dos meus interesses – note-se bem, dos meus interesses –, sou forçado a abandonar a aristocrática Vila Velha de Sintra e trocá-la pelos aprazíveis e melancólicos ares de Odrinhas.
 
Naturalmente, que toda e qualquer mudança, quer seja ela definitiva ou temporária, não deverá ser encarada como um acto de ruptura e afastamento da observação sobre um "mundo” vivido durante três décadas, pelo que o hipotético descanso de uns e alivio de outros, de que longe da vista, longe do coração, não fará de mim um desligado de propósitos ou despreocupado critico. Para mim, a Sintra que vivi manter-se-á inalterável no que sinto sobre ela e naquilo que julgo que ela deve ser, conferindo-me este afastamento, isso sim, a frieza e a clarividência tão necessárias quando se trata de aplicar o ajuizamento de sentimentos.
 
Em decisão assumida, por encontro com o meu chegar ao tempo do meio caminho e a aproximação inevitável do fim de um percurso profissional, revejo a experiência dos últimos trinta anos, como já fazendo parte de uma lembrança de passado remoto, sentindo-a como saudades de momentos gloriosos, onde foram construídos, partilhados e fruídos projectos colectivos de geração.
 
Obviamente que, também, não posso esquecer as alterações feitas, em passados mais recentes, nas oportunidades criadas. Sou obrigado, em coerência com os princípios de liberdade e democracia que defendo, em aceitar que se tratou de um direito individual de opção política sob a causa pública, contudo, em conformidade com o meu direito a ter opinião e a sentir-me indignado, considero que alguns desses projectos de geração foram, simplesmente, na desconformidade de poderes pessoais diferentes, abandonados e substituídos por aportamentos folclóricos, mais orientados por visões de desencontros de ideias e pensamentos, identificadas no desconcerto e na vivência da necessidade de palco e protagonismo vulgar, tão próprio da incompletude frustrante e da incultura ignorante de quem não consegue acompanhar e, até, de contribuir para melhorar o que foi criado.
 
Na aprendizagem da recreativa leitura semanal (obrigado pela lembrança, Pedro Mexia), e na identificação do escrito, atrevo-me a uma clonagem e inserção de pensamento, e revejo o camoniano momento de “Esparsa ao Desconcerto do Mundo”:

«Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só para mim
Anda o mundo concertado.»
 
O poema serve na facilidade da minha consideração para reconhecer, também aqui, que fui quebrado pelo desconcerto do desalento, da incompreensão e do desânimo em que vivo no meu presente mundo, e porque não quero que ele faça de mim uma má pessoa ou um moldado ou submisso esperançoso amigo das circunstâncias, prefiro o recolhimento proporcionado pelo afastamento, mesmo que isso seja visto de forma falível e discutível.
 
Apresentadas as minhas razões e o meu sentir desencontrado sobre o estado em que o meu mundo se encontra – acrescido, esta semana, com um novo ministerial anúncio dos propósitos de se manter este estado de austeridade indigna e miserável por mais quatro anos -, e após satisfação ao meu pedido, instalei-me com bagagens e esperançadas vontades no Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas. E, repetindo, novamente José Quitério, mas dando um sentido contrário às imposições que determinam o momento, direi que na imediata improbabilidade de um literal adeus, desejamos que seja, apenas, um penoso e diminuto até a vista
 
Obrigado pela atenção dispensada, o meu novo número de telefone é o 219609520. A quem vos atender, basta pedir para falar comigo.

quinta-feira, 26 de março de 2015

SINTRA, VILA VELHA E PALÁCIO NACIONAL: Um parecer de Raul Lino


Nestas últimas semanas tenho ouvido saberes, lido manifestos e trocado conversas com amigos, colegas e conhecidos sobre o estado do Património de Sintra e a sua atribuída universalidade. E em conclusão de resultado, posso afirmar que as opiniões que nos distanciam são, infinita e proporcionalmente menores ao sentimento que nos une por este espaço, por estas pedras, por estas gentes, enfim, por estas memórias.

Ora, nesta minha ocupação e trato do Património Documental Sintrense encontrei um parecer do Arquitecto Raul Lino, no papel de Superintendente Artístico dos Palácios Nacionais, datado de 16 de Junho de 1953, remetido ao então Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Dr. César Henrique Moreira Baptista, sobre uma projectada intenção de modificação do sistema de iluminação eléctrica do Largo da Rainha Dona Amélia, junto ao Palácio Nacional de Sintra.

É, de facto, interessante verificar que as preocupações de intervenção e enquadramento urbanístico da Vila Velha, independentemente da especificidade do parecer ser sobre a iluminação, feitas pelo Arquitecto Raul Lino, possuem uma actualidade impressionante, apesar de terem sido manifestadas há sessenta e dois anos atrás, num contexto de reconhecimento turístico-cultural limitado à época e sem a responsabilidade de estarmos perante um lugar classificado de Património Mundial.

Também é uma verdade que a Vila Velha de Raul Lino não era, ainda, o “bazar comercial” que nos é dado a ver, nos dias de hoje. Havia uma equilibrada convivência entre urbe humanamente ocupada por uma população residente e vivente do espaço e os turistas visitantes que vinham à procura do pitoresco e da diferença que a cultura e a memória sintrense lhes podiam proporcionar.

A intemporalidade do escrito de Raul Lino, observada logo no primeiro parágrafo do seu texto, leva-nos a tomar palavra pela exigência de uma urgente atitude de mudança de mentalidade e de comportamento de quem tem o poder decisório de fazer algo que não se fique por meras e simpáticas pinturas de esforço de ocultar o defeito, porque, o resultado final será sempre de pô-lo em maior evidência.

Regressando à leitura do acontecimento de cinquenta e três, o Projecto da Câmara Municipal, proposto pelo Vereador Rui Garcia Coelho da Cunha (Acta da Reunião de Câmara de 28 de Novembro de 1951. Livro nº 50. Fólios 158-158V-159), pretendia, para além da alteração da potência das lâmpadas, substituir os vidros foscos dos candeeiros colocados na frontaria do Paço por vidros lisos, colocar um candeeiro-de-pé, com quatro lâmpadas, no meio da praça e outros dois braços nos cunhais dos prédios de Joaquim António Vitorino e da família Cosme, em substituição das lâmpadas penduradas que atravessavam a praça, como ainda, colocar quatro lanternas de estilo “Dom João V” na muralha fronteira ao Palácio e nove candeeiros, vulgarmente conhecidos “tipo americano”, nos passeios fronteiros aos prédios de Abílio Alfredo Cardoso, Hotel Central e Hockey Club de Sintra, até à barbearia “Nelo”.


Esboço encontrado no Fundo Documental “Consiglieri Martins”

O mesmo vereador, Rui Cunha, voltará com este assunto a reunião de Câmara, em 16 de Abril de 1953, propondo que o município oficializasse o Director-Geral da Fazenda Pública, solicitando-lhe resposta aos ofícios remetidos a requerer parecer sobre a sua deliberação de mexer na iluminação pública, tanto no Largo da Rainha Dona Amélia como noutros espaços da Vila. Julgamos, deste modo, que o presente parecer do Arquitecto Raul Lino seja a resposta ao projecto, subscrito pelo vereador Rui Cunha.

Através da leitura do documento ficamos a saber que o parecer de Raul Lino provocará um despacho escrito do vereador da Câmara de Sintra, a 26 de Junho, dirigido para o serviço de obras municipais, afirmando que não existem dúvidas que o Largo da Vila carece de luz eléctrica, devendo ficar a solução do problema a cargo dos “técnicos”, pelo que sugere que este estudo seja entregue nas mãos de um especialista.

Rui Cunha demonstra, deste modo, o seu silencioso desagrado pela interpretação, feita pelo arquitecto, do projecto apresentado pela Câmara ser de uma banalidade, aplicando na resolução dos problemas da Vila de Sintra a mesma solução utilizada nas mais recentes criações urbanísticas da região, nomeadamente no estilo das últimas espécies que surgiram na linha de Lisboa a Sintra.

O conceito de leitura de Sintra-Vila, acrescido actualmente, de Sintra-Serra e consequentes zonas envolventes, teve, tem e terá, sempre, de ser visto com a sensibilidade e a consciência de que estamos perante uma criação, sobretudo, artística, não confundindo este espaço que o homem e a natureza construíram, o primeiro com a sua arte e o seu engenho e, a segunda, com a sua grandiosidade e exuberância, com o que possa ocorrer em povoações anónimas, sem características, sem história, sem feição pitorescas, sem tradições.

A solução definitiva da iluminação pública, aplicada no Largo Rainha Dona Amélia, não volta a ser discutida em reunião de câmara, diluindo-se o “problema” nas razões das oportunidades financeiras e nas prioridades do município em alterar e melhorar a rede pública. Os apontamentos do Consiglieri Martins, encontrados nas suas pastas, dão-nos uma leitura de procura de compromisso estético na aplicação do tipo de candeeiros, colocados na Vila Velha e as imagens fotográficas de época descansam-nos sobre as soluções esquecidas.


Sintra na década de sessenta, do século XX

 

Apontamentos de Consiglieri Martins



Candeeiro na fachada do Palácio Nacional de Sintra

Paralelamente, e sem querer ajuizar valor estético nem opinar sobre aplicação artística, deixamos em total interrogação de propósito quatro desenhos de José da Fonseca, datados de 1951, identificados como «Estudos para o Candeeiro para o Largo Rainha Dona Amélia, em mármore e ferro forjado», encontrados no acervo documental de Consiglieri Martins.

 
 
 
 

Esboços do Candeeiro no Largo Rainha Dona Amélia, em mármore e ferro forjado,
de José da Fonseca (1951)

****

 PARECER DO ARQUITECTO RAUL LINO

«…
MODIFICAÇÃO DO SISTEMA DE ILUMINAÇÃO ELÉCTRICA DO LARGO DA RAIHA D.AMÉLIA, A PAR DO PALÁCIO NACIONAL DE SINTRA – PROJECTO

INFORMAÇÃO

A primeira impressão que e Projecto nos dá é a de que teria sido gizado para qualquer terra, menos para a Vila de Sintra. Verdade seja que a praça principal desta estância já está de tal maneira descaracterizada, que admitiria qualquer tratamento sem probabilidade de com isso ficar mais feia do que por desventura já é. Mas não devemos perder a esperança de um dia melhorar as suas condições e de tentar restabelecer a feição particular do seu antigo e desaparecido interesse, que era do género pitoresco, embora nesta condição se inclua a monumentalidade do seu velho Paço Real.

Certo é que não será a ciência da luminotecnia que possa resolver o problema da fealdade a que aquela praça chegou; a não ser que se resolvesse deixar tudo na escuridão e se fizesse apenas incidir um clarão luarento sobre e venerando Palácio. Mas não trata aqui de cenário de teatro; importa na realidade iluminar pelo menos de maneira suficiente as faixas de rodagem de uma vila com certo movimento de veículos. Isto não quer dizer de modo algum que se deveria inundar de luz o centro da Vila, como se poderia depreender do projecto que estamos analisando. Quem sofre de qualquer deficiência na sua indumentária, e que disso tem plena consciência, esforça-se por qualquer maneira por ocultar o defeito, não procura pô-lo em maior evidência. O casario da praça – na sua maior parte – está a pedir árvores que o escondam durante o dia, como que aguardando com impaciência as sombras da noite em que a sua miséria possa mergulhar, miséria de qualidade artística, e não pobreza material que muitas vezes é simpática e pitoresca.

Vai para três anos, a pedido do Exmº. Presidente da Câmara de então, pelo amor que temos àquela terra, tivemos ocasião de elaborar uma nota em que passávamos em revista todas as casas do Largo da Rainha D. Amélia, preconizando ou receitando para cada uma o mínimo de obras indispensáveis para a tornar menos agressiva ou mais aceitável aos olhos do transeunte sensível. Com a nossa experiência resultante do uso obrigatório da mais apertada economia em trabalhos profissionais, conseguíamos uma certa depuração por meios relativamente baratos, e a Vila ficaria com outra fácies, mais amável e menos pelintra.

Isto é apenas para lembrar quão desejável é o corregimento do que se pode chamar os elementos essenciais existentes, em face das prováveis reacções da sensibilidade artística do turista, que é quem devia trazer maior rendimento à terra e quem se encarrega eventualmente da sua propaganda gratuita, desde que o saibam cativar.

O que não vejo no presente projecto de iluminação, é este propósito de entrar no corregimento da banalidade, de que a Vila de Sintra cada vez mais carecida está. Pelo contrário, parece obedecer à corrente que domina nas mais recentes criações urbanísticas da região, nomeadamente no estilo das últimas espécies que surgiram na linha de Lisboa a Sintra.

No plano apresentado para as multifárias fontes de luz, há um pormenor que deixa ver iniludivelmente o mal-entendido em que se está laborando – é a indicação de que nos lampiões existentes no terreiro à frente do Palácio se substituiriam os vidros “Catedral" por outros vulgares e transparentes. É claro que a Direcção dos Serviços dos Monumentos Nacionais, quando ali mandou colocar os actuais lampiões, com seus vidros “Catedral”, soube o que fazia. A ideia não chegou a ter originalidade; pode ver-se na Capital, aplicada a candeeiros nas arcadas do Terreiro do Paço, à frente do Teatro D. Maria II, da Igreja de S. Roque, da Igreja da Madalena, etc. É que os problemas da iluminação não se limitam a inundar tudo de claridade, evitando penumbras ou projecções de sombra. Junto de monumentos, em lugares que por qualquer motivo infundam respeito, perante uma bela paisagem ou no meio de algum aglomerado pitoresco – o problema é de ordem artística antes de interessar a luminotecnia.

No presente caso, não importa iluminar por igual todos os decímetros quadrados do pavimento, nem derramar uma luz brilhante por toda a ambiência. Se nos perguntassem como imaginaríamos uma iluminação do Largo da Rainha D. Amélia, adaptada às condições deste lugar público, diríamos: enquanto a maioria do casario que o circunda ostentar a barbárica fealdade que o caracteriza, seria muito de desejar que houvesse uma ou mais “esplanadas” na praça (lugares onde se servem bebidas), iluminadas no género a que internacionalmente se chama à Veneziana, que constituíssem focos principais de iluminação. Além destes núcleos de claridade e animação, criar-se-iam as necessárias fontes de luz para uma iluminação modesta e discreta da via pública, contando não com as correrias de automóveis em trânsito acelerado, mas apenas com a sua passagem muito pausada, como é próprio e convém em trajectos através de vias tortuosas em Vilas históricas. Quanto a focos de luz fixados no Monumento Nacional, não os julgo necessários, e no que respeita aos lampiões existentes na vedação do terreiro, não se lhes deve bulir nos vidros, que estão muito bem, mais importando para o efeito turístico que os alegretes se mantivessem sempre floridos e impecáveis de tratamento, o que infelizmente até hoje ainda se não conseguiu.

Mais diremos que a multiplicidade de postes, à parte o seu aspecto banal, nos parece inconveniente, e que julgamos se poderia iluminar com vantagens os sítios de maior passagem por meio de lampiões (do tipo dos do terreiro) suspensos de fios transversais, ou eventualmente de simplíssimas e despretensiosas polés, onde as circunstâncias o aconselhassem.

O que me parece necessário é encarar o caso como um problema, sobretudo, artístico; não o confundindo com o que possa ocorrer em povoações anónimas, sem características, sem história, sem feição pitoresca, sem tradições. – O mais leve relance da vista por sobre as publicações, nomeadamente as de propaganda, que – por exemplo – os países como a Itália, a Inglaterra, a Áustria e a Alemanha – estas não obstante a recente guerra –, nos continuam a apresentar, bastam estes testemunhos para nos trazer à memória como o espírito de turismo na velha Europa deve ser compreendido.

Não se julgue que não haja por cá entre nós quem vislumbrasse estes aspectos. No capítulo de iluminação pública, não nos envergonham certas realizações experimentadas com êxito em Évora, em Viana do Castelo, em Guimarães e porventura em outras terras mais.

Lisboa, 16 de Junho de 1953

O Superintendente Artístico dos Palácios Nacionais
Arquitecto
(Raul Lino)
…»